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A atualidade do fascismo

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A atualidade do fascismo

Daniel Medeiros*

Quando estava no exílio, nos EUA, nos anos 40, o filósofo alemão Theodor Adorno, que havia fugido do nazismo – sorte que seu amigo Walter Benjamin não teve -, contribuiu para a criação do que se chamou de “escala F”, uma espécie de teste de personalidade voltado para identificar pessoas mais ou menos suscetíveis a embarcar nas mensagens fascistas. Aliás, essa era uma das grandes questões filosóficas do grupo que ficou conhecido como Escola de Frankfurt e que, além de Adorno e (de certa maneira) Benjamin, contou também com nomes como Horkheimer, Marcuse e Erich Fromm (e depois, Habermas e Axel Honneth): por que os trabalhadores alemães disseram não às promessas libertadoras do movimento espartaquista, liderado pela polonesa Rosa Luxemburgo e embarcaram com tanto entusiasmo no autoritarismo xenófobo e racista do nazismo?

Sobre os elementos capazes de identificar uma personalidade autoritária, Adorno afirmou que se trata de alguém obcecado pelo aparente declínio dos padrões tradicionais, incapaz de lidar com mudança, preso na armadilha do ódio a todos que não são considerados como parte do grupinho e preparado para agir para defender a tradição contra a degenerescência.

Esse estudo, que Adorno transformou em livro, destacou ainda um outro aspecto bastante perturbador: padrões de personalidade que foram rejeitados por serem patológicos porque não combinavam com as tendências mais comuns e manifestas ou os ideais mais prevalentes numa sociedade, numa análise mais profunda, mostraram ser nada mais que manifestações exageradas daquilo que era quase universal sob a superfície daquela sociedade. O que hoje é psicológico pode, com mudança nas condições sociais, tornar-se a tendência dominante de amanhã.

Há duas afirmações nessas citações (que colhi no excelente livro sobre a Escola de Frankfurt, chamado Grande Hotel Abismo, do jornalista inglês Stuart Jeffries) que se revestem de grande atualidade. A primeira é o ódio como combustível, um ódio que se espalha como hidra contra todos os que ameaçam o mundo estático e reconhecível do fascista: a família fundada no respeito reverencial da mulher pelo homem, traduzida em obediência e temor; o trabalho como repetição de tarefas determinadas por uma autoridade maior e inalcançável por sua riqueza meritória; o Estado como o chão firme da proteção e identificação ao qual o cumprimento do dever é natural e necessário; a Pátria, como símbolo unificador desses predicados de estabilidade e reconhecimento, garantindo a cada um o seu lugar ao qual todos são capazes de compreender e assimilar, sem os riscos das temidas irrupções do novo.

A segunda afirmação é a que se refere à capacidade dessa visão de mundo existir e sobreviver em estado larvar, abaixo da superfície da sociedade em ebulição, aguardando o momento de irromper e estabelecer-se. Um tipo de entropia ao contrário: a natureza do mesmo impondo-se ao fluxo dos acontecimentos e ao abalo das certezas.

Adorno já alertava, nos anos 40, que o fascismo não se limitava a um fenômeno histórico. Pelo contrário, ele despreza o tempo e suas circunstâncias. Ele espera pelo cansaço das novidades para retomar sua cantilena do “certo” e do “sempre”, entendendo o certo e o sempre como a submissão ao “um”, a velha obsessão humana desde Tales de Mileto (tudo vem do Um), única forma de garantir a ordem e de prever o futuro, esse fantasma aterrorizante.

O fascista, podemos concluir, é o avô que teme as mudanças e o apagamento do mundo que conhece; é a dona de casa que não compreende o funcionamento das máquinas com as novas tecnologias e acha que está sempre sendo enganada; é o casal de classe média que não alcança os signos de sucesso e de reconhecimento social que acredita merecer e se ressente com todos os que julgam estar no seu caminho; é o jovem apavorado com as exigências profissionais do futuro próximo, e, face a esses medos, busca guarida na nostalgia de um passado imaginado, sob o manto repousante de um líder eloquente que promete acabar com todos os que abalam o sentido do mesmo, e devolver a vida “simples e adequada” que um dia fez do mundo (sic) um lugar melhor.

Pois é. Os campos de concentração que o digam.

*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso Positivo. @profdanielmedeiros

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