Daniel Medeiros*
Seu nome só é revelado em um evangelho apócrifo, escrito provavelmente no século IV, o evangelho de São Nicodemos. Sua presença, porém, é conhecida de todos os cristãos ou interessados na figura de Jesus. Dimas é o ladrão que está à direita do homem de Nazaré, que foi condenado ao mesmo suplício, como forma de acrescentar humilhação à sua figura: morrer como um ladrão, como um criminoso, como um pecador, entre outros ladrões. No outro lado, um outro ladrão aproveita o clima geral de blasfêmias e impropriedades e Lhe dirige também alguns xingamentos. Mas não Dimas. Esse repreende o “colega”, diz que eles sim estavam ali por merecimento, mas aquele homem, a quem os romanos fizeram pilhéria ao lhe cingir sobre a fronte uma coroa de espinhos e pregarem acima de sua cabeça a inscrição Jesus de Nazaré, “Rei” dos judeus, não fizera nada de mal para merecer o castigo que recebia. Gestas (para alguns, Simas), o mau ladrão, não dá bola. Tinha mais com que se preocupar do que com esse diálogo improvável. E ensimesmou-se, esperando a morte que demorava. Afinal, da cruz que se carrega ninguém escapa, sendo rei ou sendo ladrão.
Jesus não pode deixar de responder a essa manifestação de compaixão de seu companheiro de suplício, mesmo que a defesa de Dimas tenha sido seguida por um pedido especial, pessoal e intransferível: lembra-te de mim, quando vieres como rei. E Jesus então lhe respondeu, como nos afirma o evangelho de Lucas: Em verdade eu digo, hoje estarás comigo no Paraíso.
Seria Dimas o arrependido à vera ou o empreendedor que, mesmo no momento mais difícil, não deixou escapar a oportunidade de redenção daquele a quem chamavam de Rei e de filho de D’us? Por sua vez, não teria Gestas (ou Simas), o homem simples e rude que, diante das agruras das desigualdades sociais na Palestina, que buscou transpor pela apropriação indébita dos bens dos viajantes do deserto, feito pouco caso daquele que, podendo ter tido uma vida mais tranquila e serena, desafiado as autoridades e acabado ali, entre eles, com o mesmo destino?
Nunca se saberá. O fato, a partir do que foi narrado pelos textos sagrados e apócrifos, é que Dimas virou o primeiro santo, canonizado ali, na hora da morte, já que havia sido prometido a ele um lugar e um encontro com o Senhor. Uma honra indizível para os que creem. Um ladrão arrependido que, nos acréscimos de uma vida de ataques ao patrimônio alheio, teve a chance de estar ao lado do Rei e conseguiu Dele o perdão eterno, além de uma cadeira cativa no céu.
Não é de estranhar que, na tradição que atribui a cada santo uma ou mais tarefas para cumprir, Dimas tenha se tornado o padroeiro dos agonizantes, dos que buscam a redenção de seus pecados praticados na vida toda naquele momento derradeiro, contando com a imensa e infinita misericórdia de D’us, mesmo que eles próprios não tenham tido nem uma minúscula fração dessa mesma misericórdia. Como Ivan Ilitch, personagem de Tolstoi, que, no leito de morte, condenava o comportamento falso e hipócrita que era o mesmo que ele praticava quando gozava de plena saúde.
A oração a São Dimas termina assim: Ó, São Dimas, dirijo-me a ti, como pecador confiante, para que me conduza com segurança ao trono da misericórdia a fim de conseguir a graça como ajuda oportuna.
Hoje, não nos faltam exemplos de pecadores confiantes, incapazes de um gesto de compaixão durante a vida, valentes apontadores de dedos para todos pelos mínimos deslizes enquanto minimizam suas falcatruas com metáforas e eufemismos, mas crentes de que, na hora derradeira, o Salvador não os deixará na mão, garantindo-lhes a “ajuda oportuna”. Afinal, com um precedente como o de Dimas, o itinerário da salvação é conhecido: não importa o quanto você tornou a vida dos outros um deserto. Quando chegar a sua hora da cruz, peça, e será atendido.
Oportunismo ou crença na Misericórdia Divina?
Nunca se saberá.
*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso Positivo. @profdanielmedeiros