João Alfredo Lopes Nyegray*
Em fevereiro deste ano completaram-se dois anos desde a invasão russa à Ucrânia. Quando a chamada “operação militar especial” teve início, em 2022, os efeitos das pretensões de Moscou foram sentidos em todo o mundo. Como grande exportadora de petróleo e gás, a Rússia sempre teve nesses itens sua principal vantagem geoestratégica. Ao abastecer os países europeus, especialmente a Alemanha, os russos utilizaram suas vantagens energéticas como forma de fazer valer sua vontade contra eventuais sanções internacionais. No entanto, isso não funcionou, e, após o início da invasão, a Rússia tornou-se o país mais sancionado do mundo, ao mesmo tempo em que o preço do barril de petróleo ultrapassou seu valor máximo em mais de uma década. A gasolina e o diesel também dispararam no Brasil, e a inflação global continuou a aumentar.
Algum tempo depois, na manhã de sábado, 7 de outubro de 2023, combatentes do Hamas lançaram um ataque sem precedentes contra Israel. Nas primeiras horas do conflito, mais de 5 mil foguetes e bombas foram lançados contra alvos israelenses, resultando na morte e captura de dezenas de civis. Hoje, quase seis meses depois, mais de 30 mil civis palestinos perderam a vida, e a guerra em Gaza segue gerando insegurança alimentar, fome, desnutrição e uma interrupção quase completa dos serviços de saúde locais.
Em suposta solidariedade ao Hamas, a milícia Houthi do Iêmen passou a atacar navios de carga que passam pelo Mar Vermelho – região pela qual circulam mais de 12% de todo comércio global. Os Houthi, também conhecidos como Ansar Allah, são uma milícia xiita que – tal qual o Hamas – recebe apoio do Irã. Os iranianos, por sua vez, vêm aumentando rapidamente seu programa nuclear e, de acordo com agências de inteligência, Teerã possui combustível o suficiente para construir ao menos três bombas atômicas.
Se, há algumas décadas, os Estados Unidos, Rússia e China concordavam em refrear as pretensões nucleares iranianas, hoje já não é mais assim. O Irã fornece armas à Rússia para o esforço de guerra contra os ucranianos – algo que a fechada Coreia do Norte também faz. O mesmo Irã estaria por trás do ataque do Hamas a Israel e dos ataques Houthi aos navios que transitam pelo Mar Vermelho. Por outro lado, a Ucrânia recebe não só apoio militar dos países da Otan – a Organização do Tratado do Atlântico Norte – mas também apoio financeiro e humanitário.
Num cenário como esse, conflitos geograficamente regionais estão sendo exacerbados não apenas pelo apoio externo de outras nações, mas devido ao fato de que no atual mundo interconectado os efeitos de qualquer desentendimento extrapolam largamente a esfera dos países envolvidos. Isso aumenta a complexidade e a gravidade dessas situações, tornando cada vez mais improvável soluções pacíficas.
Na última semana, os Estados Unidos abstiveram-se de vetar uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas que pedia um cessar-fogo imediato das hostilidades em Gaza. Israel, por óbvio, não gostou da inação de seu antigo aliado e afirmou que não respeitará o pedido de pausa nas hostilidades vindo da ONU. Aos poucos, percebe-se uma mudança nas alianças tradicionais e, como consequência, no equilíbrio de poder global.
O mundo, cuja fragmentação se intensificou nos últimos dois anos, vem sendo caracterizado por divisões geográficas e políticas, conflitos regionais alimentados por poderes externos, mudanças nas alianças tradicionais e uma intensificação na competição por influência global. Esses elementos certamente estão contribuindo para um ambiente internacional mais tenso e imprevisível, marcado por uma competição e concorrência contínuas.
Se os empresários brasileiros se preocupavam com a concorrência dos produtos chineses e tentavam, com dificuldade, enfrentar as burocracias e inseguranças do Brasil, hoje o mundo dos negócios está cada vez mais atento às fragmentações geopolíticas.
*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray