Júnior, pleno ou sênior: as distorções que confundem o mercado de tecnologia
Profissionais relatam dificuldades para se posicionar, enquanto especialistas apontam que descrições desalinhadas agravam a escassez de mão de obra no setor
Estagiário há poucos meses em uma empresa de Londrina, Rodrigo Augusto Lima, 25 anos, descobriu que o maior desafio da carreira na área da tecnologia não estava na lógica de programação, mas em encontrar um espaço onde fosse permitido aprender. “Um dos principais obstáculos nesse início de carreira é encontrar o equilíbrio entre aprender e se posicionar. Às vezes, a falta de experiência gera hesitação, mas também me motiva a estudar e entender os porquês por trás das soluções”, afirma.
A trajetória de Rodrigo reflete um problema crescente no setor de Tecnologia da Informação (TI) e que já atinge outras áreas. A divisão entre júnior, pleno e sênior, criada em um tempo de carreiras longas e progressões internas estáveis, perdeu consistência em um mercado acelerado, em que desenvolvedores mudam de empresa em ciclos cada vez mais curtos e organizações têm estruturas mais flexíveis.
Esse descompasso aparece em descrições de estágio que exigem experiência prévia, anúncios de júnior que pedem vivência de pleno e oportunidades de pleno que listam competências típicas de sêniores. Thiago Zampieri, mestre em Ciências da Computação e empresário da área de tecnologia, diz que as classificações passaram a oscilar conforme o tamanho ou maturidade da empresa.
Segundo ele, em estruturas menores, um profissional pode ser chamado de sênior ganhando R$ 5 mil e desempenhando funções de pleno; em empresas maiores, realizaria o mesmo trabalho com outra nomenclatura e remuneração inferior. “A estrutura tradicional de cargos perdeu o sentido. Os títulos deixaram de representar domínio técnico e passaram a refletir mais o valor pago do que a profundidade da experiência ou o nível de autonomia”, observa.
Zampieri acrescenta que o mercado passou a medir senioridade por tempo ou troca de empresas e não por autonomia, maturidade técnica ou visão estratégica. Ele aponta a perda da cultura de formação interna como outro agravante. “O mercado terceirizou o papel de formar talentos para cursos e bootcamps, que ensinam técnica, mas não dão vivência. Isso cria um vácuo”, opina. Como saída, ele defende o desenvolvimento de testes padronizados de proficiência prática, que permitam contratações mais claras e carreiras mais transparentes.
Luiz Eduardo do Nascimento, 27 anos, profissional do setor há mais tempo percebeu a elevação da régua, o que gera sentimentos ambíguos. Ele afirma que, com o avanço da tecnologia, o nível de experiência exigido subiu muito. Mas, mesmo desafiador, isso lhe dá clareza sobre onde precisa evoluir. Nascimento lembra que, no início da carreira, encontrou menos barreiras do que vê hoje para os profissionais que estão entrando no mercado. “Acredito que precisamos de um conjunto de abordagens, como conhecimento técnico, soft skills e, principalmente, vagas coerentes com a realidade de quem está começando”, analisa.
Efetivado após encerrar seu período de estágio, ele reconhece que o aprendizado prático foi determinante. “No começo, questionei por ser colocado em projetos complexos, mas fez todo sentido. Aprendi muito rápido, porque vivi desafios reais. Essa empresa não foi apenas uma linha no meu currículo”, revela.
O papel do RH
O problema das descrições desalinhadas não afeta apenas quem entra no mercado. Ele também ajuda a ampliar outro desafio nacional. É que o Brasil enfrenta um déficit de mais de 500 mil profissionais de TI, segundo previsões do Google for Startups. Em um cenário de escassez, vagas mal estruturadas afastam talentos, frustram profissionais e elevam a rotatividade.
Para Ariele Anthero Matos, especialista da Exponencial RH, a raiz do problema está na falta de clareza tanto sobre o que cada nível de carreira representa quanto sobre o que as empresas realmente precisam. Ela explica que a principal diferença entre júnior, pleno e sênior está no nível de autonomia, na tomada de decisão e na visão de negócio.
“O júnior está em fase de aprendizado. O pleno já domina suas tarefas e propõe melhorias. O sênior tem domínio técnico, visão estratégica e orienta outros profissionais. Mas, muitas empresas confundem isso e descrevem cargos que não correspondem à realidade”, avalia.
Segundo Ariele, é comum encontrar vagas de júnior pedindo competências ou certificações típicas de profissionais sêniores. Essa distorção, além de injusta, gera frustração, porque a remuneração não acompanha as responsabilidades listadas. Além disso, ela aponta que, quando a descrição é desproporcional, a empresa atrai perfis desalinhados e corre o risco de perder talentos nos primeiros meses, pois o profissional logo percebe que o cargo prometido não condiz com a prática.
A especialista aponta que um erro recorrente está na ausência de integração entre o departamento de Recursos Humanos (RH) e os gestores técnicos na construção da vaga. “O gestor, muitas vezes, descreve um profissional ‘completo’, mas não define o que é essencial. O RH precisa ajudar a traduzir as competências técnicas em comportamentos, entregas e responsabilidades concretas. Sem essa parceria, as vagas saem distorcidas”, esclarece.
Essa confusão se reflete dentro das equipes. A falta de clareza gera comparações e insatisfação, especialmente quando há discrepâncias entre responsabilidade e remuneração. Isso impacta o clima interno e aumenta o turnover. Para Ariele, o caminho passa por trilhas de carreira bem definidas, com critérios transparentes para promoção e desenvolvimento. “Mais do que tempo de experiência, o que diferencia um nível do outro é comportamento, maturidade e visão sistêmica. O júnior executa. O pleno entende o impacto. O sênior influencia. Quando isso é claro, todos ganham: empresa, gestor e colaborador.”
A especialista reforça que, embora o problema seja mais visível na tecnologia, ele já se espalhou para várias áreas. Ela afirma que muitas empresas não estruturaram suas trilhas de desenvolvimento e isso cria expectativas irreais nos colaboradores. “É ruim para o empregador, que perde talentos. É ruim para o profissional, que não consegue entender seu caminho de evolução”, lamenta.
