Juliano Costa*
O tempo de debater se recursos como a inteligência artificial (IA) devem ou não ser utilizados na educação já passou. Outro dia, enquanto estava falando com colegas especialistas em ensino e aprendizagem sobre nosso papel, daqui em diante, esse assunto apareceu com muita intensidade e gerou um debate muito produtivo. Como educadores contemporâneos, cabe a nós, agora, uma reflexão muito mais objetiva: como usar a IA para garantir uma educação mais equitativa, que contribua para a construção de uma sociedade menos desigual? Uma das respostas está, justamente, na apropriação dessa tecnologia pelos educadores.
Focando na escola pública, o potencial dessa ferramenta vai muito além da modernização tecnológica: pode representar um salto de qualidade na forma como ensinamos e aprendemos. Professores de diferentes realidades – dos que trabalham em escolas das periferias dos grandes centros urbanos aos que lecionam em escolas rurais ou até mesmo inseridas em comunidades indígenas – precisam ser capacitados para o uso da IA no cotidiano escolar, juntamente com a ampliação dos equipamentos e estruturas de acesso e das ferramentas de acessibilidade.
Das tarefas mais simples, como adaptar atividades para o ritmo de cada estudante, até as mais complexas, como analisar dados de desempenho para que as políticas públicas sejam mais assertivas, a IA tem uma imensa capacidade de contribuir para melhorar a qualidade do ensino. Mas o pulo do gato, que vai contribuir com o cotidiano de muitos dos meus colegas, está mesmo em um ponto em que ela é especialista: identificar padrões e personalizar diferentes tipos de entregas.
Se eu estou trabalhando, por exemplo, um assunto de história do 7º ano, a IA pode me ajudar a produzir uma música, o roteiro de uma peça de teatro, um projeto de pesquisa ou uma avaliação escrita sobre isso, a partir de um conjunto de dados prévios ou de orientações específicas que eu possa fornecer a ela. Ou seja, a IA pode ser utilizada para multiplicar as dimensões de um determinado objeto de aprendizagem de modo a atingir estudantes de diferentes perfis. Afinal, não é de hoje que a ciência reconhece que as pessoas aprendem de diferentes maneiras e, enquanto alguns têm mais facilidade de aprender lendo, outros preferem ouvir e outros, ainda, gravam melhor os conteúdos quando conseguem visualizá-los.
Além disso, quanto mais ela for alimentada com dados, como padrões de notas ou de provas, trabalhos escolares produzidos, laudos para alunos com necessidades específicas ou feedbacks feitos por professores, ela consegue identificar dificuldades de aprendizagem mais cedo, sugerir intervenções e monitorar esses resultados em tempo real. Dessa forma, com o professor conseguindo manter no radar aqueles que estão com mais dificuldades no processo (além de por que e como estão com essas dificuldades), a probabilidade de alguém ficar para trás diminui significativamente. Como alguém que trabalha com educação a vida toda, não tenho dúvida de que esse seria um imenso avanço.
Então, pensando mais abertamente sobre isso, do que estamos falando senão de ampliar a inclusão e o combate às múltiplas desigualdades? Sabemos que não está ao alcance do educador corrigir todo o contexto de vulnerabilidade social em que uma criança pode estar inserida. Sabemos, também, o quanto encarar essa realidade pode ser doloroso para muitos educadores. Por que não, então, usar essa tecnologia para corrigir a rota e trazer essas crianças para junto do restante da turma? Dar a eles a oportunidade de uma aprendizagem sólida, que sirva, ali e no futuro, como ferramenta para que ele possa, pouco a pouco, transformar a própria realidade?
É claro que a IA não é perfeita e ainda precisa de muita calibragem humana para funcionar dentro dos limites éticos e potencializando efetivamente os resultados. Também é claro que aplicá-la ao ensino público demanda investimento e supervisão de profissionais bem treinados para que ela não acabe reforçando vícios, preconceitos e desigualdades que já existem nesse contexto. Falando como educador e gestor que acompanha de perto tanto os desafios das redes públicas quanto os avanços da tecnologia educacional, no entanto, posso garantir: se a usarmos bem, há um novo universo à espera e que pode ser implantado no curtíssimo prazo.
E, se o bom uso pelos educadores já representa uma revolução individual, o bom uso por gestores e coordenadores de políticas públicas será um salto no ensino público como o conhecemos hoje. Alimentando a IA com informações sobre o desempenho de cada turma e de cada escola, analisando a rede educacional como um todo é possível pedir insights e reflexões sobre aqueles dados. A ferramenta, então, pode devolver curvas de aprendizagem, comportamentos setorizados, performance docente, associação entre recursos e resultados e, mais do que tudo, apontar quais estudantes estão no quartil mais vulnerável e o que eles têm em comum. Dessa forma, os responsáveis pelo desenho de políticas públicas podem identificar padrões e desenvolver ações gerais ou pontuais que resolvam cada ponto de atenção identificado.
Tudo isso importa para que as decisões não sejam tomadas com base no passado, mas no presente, na situação e nas evidências reais. Assim, os recursos serão direcionados para onde são mais necessários dentro do contexto escolar. Uma revolução que não precisa esperar para acontecer: está disponível para todos nós agora mesmo, a um clique de distância.
*Juliano Costa é mestre em Educação Brasileira e diretor de Marketing e Produto na Aprende Brasil Educação